quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Um suspiro de humanidade

Havia uma criança na praia. Podia estar brincando. Havia uma criança na praia. Mas não estava. Não havia ânimo, não havia alegria. Não havia vida. O que existia era apenas um corpo inanimado. Apenas a esperança desfalecida de estar livre da guerra. Apenas a sensação de estar finalmente livre da guerra. E da vida.
Foi necessário uma cena chocante como aquela para tocar o coração da sociedade, que até então enxergava de longe a situação do povo sírio. A guerra civil já dura cerca de 4 anos, já parou para pensar em como seria viver 4 anos assustado com o horror de uma guerra? Certamente a maior parte não deve ter nem ideia. Salvo os que viveram a ditadura, que têm noção do que é a repressão, a maioria de nós prova da liberdade de gritar, reclamar, ir às ruas protestar e escrever o que quiser nas redes sociais.
Confesso que não tinha noção da gravidade da situação, talvez por não assistir à TV aberta e não ter visto os noticiários, talvez porque estava ocupada com meu quebra cabeça de 5 mil peças ou meus livros, ou simplesmente porque abria as redes sociais apenas para rolar os olhos pelas notícias. Sinto que falhei, deveria ter dado mais atenção. Mas agora isso não vêm ao caso.

Enquanto tem gente fazendo de tudo pra ajudar, seja fornecendo comida nas estações, seja atravessando a fronteira com a Hungria para dar carona aos sírios refugiados em Budapeste - confira a notícia aqui -  ainda vemos muita, incrivelmente muita gente reclamando dessa situação.

Preocupados com o próprio umbigo e usando a desculpa "Ah, mas o país já está em crise", vejo comentários desfavoráveis à vinda dos refugiados para o Brasil. A principal desculpa é o desemprego, que já têm muita gente na pobreza, nas ruas, e que seriam apenas muitos mais nas estatísticas. Até mesmo os países da Europa afirmam que a entrada dos refugiados vai desestabilizar a economia. Falta entender que os sírios não estão fugindo apenas da pobreza. Não estão saindo de férias. Estão fugindo da guerra, dos estupros das mulheres, da perseguição. Tentam correr dos tanques de guerra e das granadas, que têm destruído suas casas e cidades. Onde havia um lar hoje só resta escombros. Negar abrigo é como negar a oportunidade que eles têm de tentar sobreviver. As crianças sequer estão tendo a chance de tentar mudar o país em que vivem, porque ao atingir a idade adulta, se ainda estiverem vivos até lá, não haverá, talvez, o tal país.

Se eles vão roubar empregos? Talvez. Assim como tem brasileiro que vai para outros países e começa lavando pratos, eles vão tentar. Certamente eles têm boa qualificação, mas vão começar de baixo. Porque eles não fogem para enriquecer. Eles querem recomeçar. Eles querem sobreviver.

Não se pode fechar os olhos e fingir que não é real. Aylan era real. Era. Agora é apenas lembrança. É símbolo da esperança de uma vida em paz.

Que os suspiros do egoísmo não matem o suspiro de vida de quem pede ajuda.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Nada de ladeiras por enquanto.

Aeee! Estou de volta, vamos colocar isso aqui pra funcionar né? A inspiração de escrever novamente hoje veio de uma experiência que tive hoje. Patins. Sim, você leu isso mesmo. Aos 21 anos, após oito anos parada, resolvi voltar a fazer algo que eu amava: andar de patins! Comprei o Line mesmo, porque é mais fácil de achar e também porque eu aprendi com eles então achei que ia ser mais fácil. Achei. Apenas. Assim que pisei no asfalto senti que ia beijar o chão. Mas saí andando, bem até. Parecia aqueles desenhos animados balançando os braços no início, e o pior, ainda não desenvolvi a arte de frear. Não sei como parar se não tiver uma árvore por perto. Inclusive, caí duas vezes em frente à praça mais movimentada da cidade. Mas tudo bem. O que isso tem a ver com o post? Vocês já vão entender.
Quando eu era pequena - não cresci muito mas deu para entender - eu fazia bastante estripulias no patins, andava mesmo, descia ladeira - eu amava ladeiras - e até me aventurava nas partes baixas de uma pista de skate que tinha na Ponta Negra em Manaus. Eu nunca me ralei feio de patins e não me lembro nem de alguma queda significativa que possa ter me machucado. Não usava nenhuma proteção como capacetes ou joelheiras, eu não segurava na mão do meu pai pra não cair, eu conseguia parar sozinha. E eu não tinha medo. E pelo que me lembro, nenhuma criança tinha também. E hoje, após duas décadas de vida, senti medo, de cair, de me ralar, de passar vergonha.
Você vai dizer: " Mas tá se acostumando novamente, vai levar tempo, cair é normal." Eu sei, já falei pra mim mesma tudo isso.
Mas não posso deixar de pensar em como os medos crescem junto com a gente. Quando pequenos, temos medo do homem do saco, do monstro debaixo da cama, de reprovar na escola e ficar de castigo. Conforme o tempo passa, esses medos se tornam bobos, e vêm nos atordoar medos maiores: de falhar no vestibular, de ser demitido, de ser assaltado, de não ter dinheiro no fim do mês, de infartar devido ao nosso infeliz sedentarismo bem antes do que seria esperado. Tenho certeza que vários desses assombram a vida adulta como fantasmas. E hoje, quando tentei fazer algo que me trazia prazer, senti o medo que não me existia, senti o medo de me machucar. Por que enfrentamos tanta coisa sem temer falhar e quando precisamos do minimo de coragem para algo tão simples e que nos era comum até, nos sentimos frágeis? Temos medo da dor física, do joelho ralado. Mas vejo uma sociedade que teme corações ralados, se fecham, se protegem. Falo porque tenho feito a mesma coisa. (Queria que meu medo de ralar o joelho fosse menor que o de ralar meu coração.)
Seguindo isso, vemos que ele cresceu mais do que devia. Vejo grades altas em casas, sistemas de segurança sofisticados, ando na rua desconfiada de quem olhe demais para minha bolsa ou pare do lado do carro no semáforo. Sinto o medo no ar quando alguém entra no banco de mochila e fica olhando em volta. Todos sentimos. Essa não é a geração do medo, a culpa não está na geração, a culpa está na realidade. Esta é a era do medo. Até nossos celulares que guardam informações e conversas podem ser levados num instante e nos desestabilizar. E isso dá medo. Há cheiro de medo por onde andamos. Só nos resta aprender a conviver com ele, porque ele não vai querer nos deixar tão cedo. Se eu aprendesse logo, quem sabe eu aproveitaria mais os meus patins. Eu sei, que assim que ganhar prática de novo eu perco esse medo, mas enquanto isso, nada de ladeiras pra mim.